
Prostuição em Roma
Em Roma, de acordo com McGINN (1998: 10): “Prostituition was both socially approved and suspect for moral reasons.” As prostitutas eram definidas como pessoas depravadas, promíscuas, que faziam parte de um meio desonrado e como tal à margem da lei. Contudo, estas mulheres eram também consideradas importantes e complementares à norma, que significava casar, gerar e educar os filhos, pois as prostitutas afastavam os homens de mulheres respeitáveis, e também eram uma espécie de aviso acerca das consequências a enfrentar por uma honra sexual perdida. Como refere McGINN (1998: 9), a prostituição era uma espécie de atalho para os preceitos legais da sociedade, que estipulavam assim um comportamento sexual desejável, de forma a salvaguardar a reputação das famílias romanas.
As prostitutas tinham os seus próprios festivais e cultos, como por exemplo dos Floralia. Segundo McGINN (1998: 26), estes festivais davam às prostitutas a oportunidade de aumentar o seu comércio. Como referem STAPLES (1998: 92-93) e MCGINN (1998: 24-26), estas eram festas marcadas por cenas de embriaguez, devassidão, licenciosidade, promiscuidade e nudez. Como diz McGINN (1998: 26), nos Floralia: “(…) prostitutes stripped themselves naked at the urging of the public. Nothing can testify more decisively to their total lack of honor.”
Outro festival ligado à prostituição e à história da fundação de Roma é o de Aca Larência. Segundo o mito, Reia Sílvia, uma virgem vestal, deu à luz dois gémeos, Rómulo e Remo. A estes o tio mandou-os lançar ao rio Tibre. Contudo, devido à cheia do rio, deixaram-nos expostos nos charcos, na esperança de que estes morressem na mesma. No entanto, tal não sucedeu, pois, segundo a lenda, foram amamentados por uma loba, que indo beber água, foi atraída pelo choro das crianças. Mais tarde o pastor Fáustulo, encontrou-os e levou-os para casa, para serem criados pela sua mulher Aca Larência, que era também conhecida como Lupa. Segundo STAPLES (1998: 64), o termo lupa referia-se tanto a uma loba como a uma prostituta, “(…) they called her Lupa because she slept around.” Diferentes histórias têm sido apresentadas sobre Aca Larência. No entanto, apenas serão referenciadas duas. Segundo Lívio, Aca Larência terá sido a mãe adotiva dos fundadores de Roma. Segundo outra versão, ela era uma cortesã, que dormiu com Hércules e recebeu como recompensa dos deuses um casamento com Tarutilus, um homem bastante rico, que quando morreu lhe deixou toda a riqueza. Em ambas as histórias ela seria provavelmente uma prostituta (por causa do termo lupa), que forneceu um serviço ao Estado, quer por ter amamentado o seu fundador, quer por ter enriquecido os seus cidadãos. Este mito é extremamente importante, pois era com a matrona que um homem podia ter filhos legítimos. É curioso que neste mito da fundação de Roma, há a ausência da figura da matrona, que por sua vez é substituída pela figura da prostituta. Embora a mãe biológica de Rómulo e Remo tenha sido Reia Silvia, a figura predominante na história é a de Aca Larência, a prostituta que cria os gémeos.
De acordo com RODRIGUES (2009: 392), havia diversas designações para caraterizar as prostitutas: aelicaria, amasia, amatrix, ambubaia, ambulatrix, amica, blitea, bustuaria, citharistria, copa, cymbalistria, diobolaris, doris, famosa, foraria, fornix, gallina, lupa, meretrix, mima, noctiluca, nonaria, proseda, prostibula, quadrantaria, scortum, scortum erraticum, ou spurca.
Quem eram estas mulheres e porquê a escolha desta vida? Como indicam FLEMMING (1999: 40-41) e RODRIGUES (2009: 391-392), na literatura são nos apresentadas basicamente cinco hipóteses para estas questões: 1) que as mulheres eram prostitutas por serem escravas, e, consequentemente, não tinham poder de decisão sobre o que o seu dono fazia com o corpo delas; 2) seriam esposas ou filhas obrigadas a se prostituir por razões de carência económica, ou seja, pela indigência e miséria que assolava grande parte da população romana; 3) pertencendo à aristocracia, eram mulheres que tentavam livrar-se das punições por adultério ao adquirirem o estatuto de prostituta; 4) dedicavam-se a esta atividade porque não passavam de mulheres de espírito fraco, promíscuas e que não resistiam à luxúria; ou 5) viam nesta atividade uma via para a sua independência social e económica. Contudo, as razões subjacentes a esta escolha devem ter sido mais complexas.
Como explica FLEMMING (1999: 43), sabendo que a sociedade romana era esclavagista, podemos supor que algumas das escravas fossem utilizadas na prostituição, em estabelecimentos como tabernas, banhos, estalagens e nos bordéis. Isto significa que aqueles que lucravam com o corpo destas, não eram elas próprias, mas sim os seus donos e lenones (proxenetas). Existiam também prostitutas livres da classe baixa, que podiam ou não ser obrigadas pela família a se prostituir. Algumas delas eram estrangeiras e procuravam meios de subsistência. Trabalhavam na rua, em bares, portos, estalagens, termas e bordéis. Existiam ainda as cortesãs, que eram as prostitutas de mais elevado estatuto e que se dedicavam sobretudo a satisfazer as necessidades dos homens da aristocracia. Sabemos que estas mulheres podiam ser de qualquer origem social, pois quer graças ao seu ensino, à sua beleza, aos seus talentos ou aos conhecimentos sociais, no sentido de estabelecerem relações muito íntimas com homens com grande poder e influência, atingiram o mais elevado estatuto dentro daquele meio.
Como indica RODRIGUES (2009: 384-389), a prostituição em Roma era legal e os espaços utilizados para tal eram variados, não havendo espaços vedados a tal prática. No entanto, era mais visível em locais como os foros, os banhos públicos, os pórticos, os templos, os teatros, as lojas dos mais diversos negócios (cujo espaço, por vezes, tinha cubículos especialmente dedicados a quem vendia o corpo, pois este tipo de serviço era na altura considerado atraente para os outros negócios). Portos, tabernas e estalagens eram também locais preferidos das prostitutas, devido à grande afluência de pessoas. Em Roma a oportunidade de incluir o comércio prostitucional em determinados espaços, ou em conjunto com outros empreendimentos, dependia da sua rentabilidade para as prostitutas e para os comerciantes.
Apesar da tolerância para com a atividade, os intervenientes deste negócio não eram, contudo, bem aceites pela sociedade. Eram considerados um grupo marginal, caraterizados como infames, ou seja, aqueles que não tinham reputação, aos que faltava honra. Estes estavam sujeitos a um conjunto de restrições, limitações e incapacidades cívicas, que partilhavam com outras categorias marginais como atores e gladiadores. Fazendo parte destas categorias, estavam proibidos de prestar testemunho em tribunal; de fazer acusações contra outros; e em algumas circunstâncias, muitas das violências cometidas sobre estes ficavam impunes, pois as palavras de quem ganhava a sua vida de forma vergonhosa não valiam nada segundo o sistema legal romano, visto serem considerados pessoas duvidosas. Não podiam também candidatar-se a cargos senatoriais, nem a magistraturas. Estas incapacidades podem não parecer muito severas, contudo demonstravam claramente a impotência destes indivíduos perante a lei. Estas profissões eram consideradas vergonhosas, e todos os que as desempenhassem adquiriam inevitavelmente esta classificação, pela forma como ganhavam o seu dinheiro.
Como explica McGINN (1998: 248-287), outro fator importante da prostituição em Roma deveu-se ao imposto que Calígula taxou sobre as prostitutas. Uma vez que eram obrigadas a registar-se junto do edil era difícil escapar ao seu pagamento. Esta foi uma taxa que foi cobrada durante todo o período imperial e as receitas geradas eram muito altas. Tanto o registo como o imposto visavam aumentar o controle sobre os trabalhadores do sexo. Ao mesmo tempo, o imposto veio legitimar a prática da prostituição, uma vez que Calígula criou bordéis estatais e, de acordo com RODRIGUES (2009: 404), por vezes ele próprio emprestava dinheiro, com exagerados juros, a cidadãos que queriam satisfazer os seus prazeres e fantasias em tais espaços.
Cortesã Romana
De acordo com RODRIGUES (2009: 392), as prostitutas de luxo em Roma poderiam ser identificadas de cortesãs. Eram as mulheres do meio prostitucional que prestavam serviços sexuais, e acompanhavam homens poderosos da sociedade a diversos convívios sociais. Estas que se distinguiam pelos seus atributos físicos, eram normalmente as mais belas, assim como a sua educação, pois eram instruídas, cultas. Segundo RODRIGUES (2009: 392-393), supostamente, por volta dos catorze anos estas cortesãs recebiam uma aprendizagem abrangente em requintes e luxo, dança, música, e normas de comportamento, iniciando-se depois nas especialidades do sexo. No entanto, estas representavam um pequeno grupo de mulheres “privilegiadas” pela instrução que recebiam, e provavelmente as que teriam sucesso dentro do grande negócio da prostituição romana.
Por norma eram mulheres libertas, que usavam o seu corpo, os seus truques de sedução e a sua inteligência como forma de alcançarem mais dinheiro para sobreviver, algumas tentando mesmo alcançar outro nível social ou alguma influência, através do seu relacionamento com homens de estatuto social elevado. Contudo, nunca deixaram o seu estatuto de cortesãs. É também reconhecido que entre as cortesãs havia mulheres originárias de famílias respeitáveis e de estatuto superior. A razão para tal escolha por parte destas mulheres é muito questionada. Segundo ROBERTS (1996: 62) e RODRIGUES (2009: 394) um fator que provavelmente as motivava a deixar de lado a sua reputação de mulher respeitável e a adquirir tal estatuto seria o fato de poderem alcançar uma liberdade económica e social que não lhe era permitida enquanto mulheres casadas. Esta é uma hipótese a considerar, pois segundo EDWARDS (1997: 85-86) “prostitution was associated with the license and disorder, with pleasures that escaped the control of official authority.” As mulheres em Roma normalmente comportavam-se de acordo com as vontades e desejos pessoais dos homens. Esta era uma maneira de terem elas um pouco de controle sobre as suas vidas. Como refere EDWARDS (1997: 78-79), autores romanos mais moralistas como Juvenal (6.103-12) falavam do vício da luxúria, que fazia estas mulheres ignorarem o seu lugar na hierarquia social. As mulheres eram caraterizadas como criaturas sexualmente insaciáveis, sendo levadas pela lascívia e pelo desejo que lhes era negado, à perdição e à ruína, pois na procura de satisfazerem os seus apetites esqueciam o seu estatuto nobre, e todas as noções que lhes conferiam um estatuto e identidade social. O seu desejo arrastava-as para o mais baixo dos níveis. Contudo, segundo RODRIGUES (2009: 394), o argumento que explica esta escolha como consequência de uma acusação por adultério é dos mais verosímeis, lembrando que algumas mulheres de origem aristocrática preferiram registar-se como prostitutas do que serem punidas com as sanções de adultério.
As cortesãs romanas eram independentes, ou seja, não dependiam de nenhum proxeneta, e os seus clientes pertenciam aos estatutos sociais mais importantes de Roma, logo seriam influentes e ricos. Apesar de as prostitutas em Roma serem obrigadas a se registar junto de um edil, o mesmo não era obrigatório para as prostitutas que trabalhavam num contexto económico e social elevado. As prostitutas deveriam usar a toga, no entanto, as prostitutas de luxo romanas destacavam-se das restantes, pois segundo descreve EDWARDS (1997: 81) usavam vestidos muito mais vistosos, e em especial de seda transparente, o que as tornava mais sedutoras e fascinantes aos olhos dos homens.
As cortesãs eram também obrigadas a pagar a taxa imposta por Calígula. Segundo MCGINN (1998: 267), a taxa máxima era de um denário. Contudo, uma taxa tão elevada teria efeitos completamente diferentes para os diversos tipos de prostitutas. As cortesãs romanas já cobravam aos clientes um valor aproximado de um denário. De acordo com RODRIGUES (2009: 386), provavelmente foi no bairro do Aventino que um maior número de prostitutas, com um nível económico-social superior, se instalaram.
Volúmnia Citéris
Uma cortesã romana importante de relembrar é Volúmnia Citéris, também conhecida pelo pseudónimo de Lícoris. Segundo TRAINA (2001: 83-85), nasceu por volta de 70 a. C. e provavelmente era de origem helénica. A sua presença em Roma ter-se-á devido ao fato de ser uma prisioneira de guerra, trazida para Roma como escrava. Citéris era propriedade de Públio Volúmnio Eutrapelo. Enquanto escrava prestava diversos serviços ao seu dono, incluindo a prostituição. No entanto, Citéris era também “mima”, ou seja, atriz de mimos, o que significa que cantava, dançava e representava. Este era um género de representação bastante popular em Roma, durante a República. No entanto, como explica TRAINA (2001: 86), a palavra “mimo” também era usada muitas vezes como sinónimo de prostituta.
Entretanto Eutrapelo ter-lhe-á concedido a liberdade, não de maneira desinteressada, mas esperando obter maiores benefícios com a nova condição de Citéris. Como explicam KEITH (2011: 38; 41) e TRAINA (2001: 89), a liberdade desta era por assim dizer uma maneira de a introduzir na sociedade, pois Citéris, mesmo liberta, continuava a ter deveres de lealdade para como seu antigo dono, prestando-lhe serviços gratuitamente ou tornando-se amante de um homem poderoso a quem este estava ligado. De acordo com TRAINA (2001: 88), o teatro e a política estavam interligados, pois era normal os homens poderosos financiarem espetáculos e as carreiras de atores e atrizes. Lícoris já era bastante aclamada pelas suas performances. Eutrapelo estava associado ao círculo de César, um grupo extremamente poderoso e influente. Contudo, seria indecoroso um homem influente e poderoso ser visto na companhia de uma atriz, que ainda por cima era escrava.
Como explica KEITH (2011: 38-40), a história de Citéris tornou-se essencialmente conhecida devido à identidade dos homens a quem esteve ligada, entre os quais Marco António, Bruto e António Galo, todos eles membros da elite romana. O seu relacionamento com Marco António foi o mais conhecido e que mais escândalo causou. Segundo TRAINA (2001: 91-94), estes envolveram-se cerca de 40 a. C., e o seu relacionamento tornou-se o mais público possível, uma vez que António viajava com Citéris pela Itália abertamente, como se esta fosse um troféu, e mais ainda, tratava-a com dignidade como se fosse uma matrona, oferecendo-lhe ainda propriedades na Campânia. Cícero nas (Filípicas: 2.58) descreve a forma inapropriada e desonrada de tal envolvimento:
"E na verdade quando é que alguma vez na terra se ouviu falar de tamanha infâmia, de tamanha torpeza, de tamanha desonra? O tribuno da plebe fazia-se transportar num carro; caminhavam à sua frente lictores ornados de loureiro e no meio destes numa liteira aberta era transportada a mima. A esta encontrava-na, por necessidade, os cidadãos nobres dos municípios que avançavam das cidades e saudavam-na não pelo seu nome popular e artístico [i. e. Citéris], mas pelo nome de Volúmnia. Seguia atrás um carro de proxenetas, a mais devassa das companhias. A mãe, rejeitada para o fim da comitiva, ia atrás da amante do filho infame, como se ela fosse sua nora."
Era considerado um relacionamento fora do comum, pois António tratava-a como se fosse sua esposa, o que era impossível devido à condição de ambos. Enquanto amante devia estar longe do olhar público, não exibida perante todos, como aconteceu. Este relacionamento estava condenado, pois, após a consolidação da posição política de António, a relação chegou ao fim, por ser impossível a António manter uma vida tão indecorosa sem sofrer as respetivas consequências.
Citéris terá ainda mantido um relacionamento breve com Bruto e com Galo. Contudo, destes, o relacionamento com Galo é o mais notório, pois Citéris foi a musa para a sua poesia erótica, sob o nome de Lícoris. Outros autores contemporâneos como Vergílio, Propércio, Ovídio e Marcial também escreveram sobre o amor entre ambos, embora a sua representação na poesia fosse mais ficção. Como explica KEITH (2011: 27-28; 32-33; 34-35), falando das obras destes autores, Vergílio representa Lícoris como a indigna amante que abandona Galo para seguir outro, transmitindo a imagem de uma mulher promíscua e instável. Propércio identifica Galo no catálogo de poetas romanos que se dedicaram à poesia erótica e Lícoris como sua amante, a quem ele estava famosamente associado. Ovídio liga o nome de Lícoris à fama literária de Galo e Marcial relembra a bela Lícoris que inspirou Galo na sua poesia.
Citéris ficou conhecida como uma cortesã grega que circulava junto dos membros da elite romana, assim como junto dos homens de letras. Contudo, apesar de tais relacionamentos lhe trazerem vantagens, pelas suas profissões de atriz e cortesã, ela detinha o estatuto de infame, o que significava que o seu envolvimento com estes homens era limitado, não podendo jamais ter um casamento legítimo com qualquer um deles. Também a possibilidade de ascender socialmente estava condicionada.