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Prostitutição na Sociedade Medieval

Para analisar o fenómeno da prostituição na Idade Média há que enquadrá-lo nas crenças cristãs e na nova organização social. Como diz ROSSIAUD (1988: viii), o seu entendimento: “requires its definition in terms of demographic and matrimonial structures, of normal and deviant sexual practices, and of the cultural values and mental attitudes widely shared by social groups that tolerated it or prosecuted it.” Todos estes fatores influenciaram o desenvolvimento e a prática desta profissão, durante um período marcado por grandes e sucessivas transformações na sociedade, a todos os níveis. Contudo, neste capítulo, o fenómeno da prostituição foi analisado no seu contexto geral, uma vez que, segundo as principais fontes usadas como base desta pesquisa, nomeadamente BRUNDAGE (1987), OTIS (1985) e ROSSIAUD (1988), não existem provas da existência da prática da prostituição de luxo neste período.

É importantíssimo o estudo deste período da história, pois as nossas ideias e atuais crenças sobre a moralidade sexual baseiam-se nas normas e doutrinas que se tornaram leis na Europa Cristã, durante a Idade Média, e regularam os povos europeus. A ideia do sexo como algo vergonhoso, impuro e fonte do pecado da humanidade, consequentemente um tema tabu numa sociedade educada e respeitosa faz parte da nossa herança medieval. Esta noção, apesar de conservadora para muitos, persiste na mentalidade geral das sociedades e condiciona a forma como encaramos e vivemos a sexualidade humana.

O cristianismo, a nova ordem religiosa, foi imposto como a religião oficial do Império Romano por Constantino (311-337) no século IV e mesmo após a queda do Império manteve-se como a mais importante doutrina religiosa do ocidente. A grande mudança que ocorreu neste período foi o desenvolvimento de ideias negativas acerca do corpo humano, em especial do feminino, e dos prazeres sexuais, como diz Le GOFF (1994: 146): “O horror ao corpo culmina nos seus aspetos sexuais. (…) A abominação do corpo e do sexo atinge o cúmulo no corpo feminino.” A sexualidade e o prazer sexual que até então eram considerados como naturais e positivos passam a ser condenados e estritamente regulamentados. O pecado da carne passou a ser intitulado de luxúria. 

Para a Igreja a prostituição era um fato social inevitável, o que colocava as prostitutas numa situação ambígua, pois estas apresentavam-se para as autoridades eclesiásticas como um mal necessário, ou seja, entre o pecado e a necessidade. A Igreja mantinha que os relacionamentos ilícitos com estas mulheres infames eram um pecado, pois os homens procuravam-nas apenas com intuito de obter prazer sexual. Contudo, para os católicos, uma prostituta poderia alcançar a salvação se deixasse aquele modo de vida e fizesse penitência pelos seus pecados. Como explica OTIS (1985: 13), ao contrário do que acontecia com a noção romana, não havia um estigma permanente ligado à condição de prostituta se esta se arrependesse. Eram pecadoras que podiam ser salvas. Como nos diz CADDEN (1993: 264), segundo o pensamento teológico cristão, acreditava-se que “(…) the essence of virginal purity might exist in spite of the absence of physical virginity, as might happen in cases of saved prostitutes.”, ou seja, a Igreja Católica não excluía as prostitutas da redenção. Por outro lado, como refere OTIS (1985: 13), a Igreja condenava duramente quem lucrava com este negócio, como os proxenetas.

Devido à reduzida tolerância da Igreja para com a sexualidade humana, a prostituição sofreu em diversos períodos desta época várias repreensões, perseguições, condenações e maus tratos por parte das autoridades. 

Em certas alturas não havia um termo específico para designar a prostituta profissional. O termo “meretriz” que designava estas mulheres durante o Império Romano, correspondia agora às mulheres cuja conduta sexual imprópria havia envergonhado a família e/ou o marido. Contudo, na Idade Média Central, o interesse pela lei Romana causou o ressurgimento de velhas noções e leis sobre o negócio da prostituição, tais como: a prostituta ter direito ao seu salário; a validade do estigma permanente ligado à condição de prostituta e a impossibilidade de casamento de prostitutas e das suas filhas com homens nobres ou respeitáveis. Segundo OTIS (1985: 16; 66-67), surge também nesta época uma nova expressão para designar a prostituta: “meretrix publica”. As prostitutas eram também designadas como infames, e estavam sujeitas a todas as incapacidades legais inerentes a esta condição, entre elas a impossibilidade de testemunhar ou de fazer acusações em tribunal, como já acontecia na lei romana.

Nos finais do século XI e ao longo dos séculos XII e XIII levou-se a cabo campanhas de "salvação" daquelas que eles consideravam ser mulheres perdidas, ou seja, queriam encaminhar as prostitutas para uma vida honesta. Para tal, as mulheres tinham que se arrepender, fazer penitência pelas depravações cometidas, ficando assim absolvidas da excomunhão, e livres das incapacidades legais ligadas àquele modo de vida. Poderiam depois optar pela vida religiosa, uma vez que foram criados conventos específicos para este grupo, os “Conventos ou lares de Madalena”.

As ex-prostitutas que se arrependessem podiam também levar uma vida respeitável e casar. Após o decreto de Inocêncio III em 1198, casar com uma mulher que havia sido prostituta já não era proibido. Era sim considerado um ato piedoso e os homens cristãos respeitáveis que fossem capazes de tal ação eram considerados de grande valor e merecedores de recompensas espirituais, como a remissão dos seus próprios pecados. Contudo, tal prática não foi muito bem sucedida, pois a reputação da mulher que havia sido prostituta marcá-la-ia para sempre e, consequentemente, ao marido que a aceitasse. Por isso, em algumas partes da Europa foram criados mais incentivos para um maior sucesso desta medida, como dar dotes a estas mulheres, o que já as tornava mais apelativas para os homens, pelo menos os mais pobres.

Nos séculos XII e XIII, a prostituição floresceu nas cidades e vilas europeias, devido ao aumento da população e da pobreza, pois com o abandono da agricultura e urbanização das cidades, as mulheres tinham menos recursos, habilidades e possibilidades de sustento. Viam-se assim obrigadas a enveredar por este estilo de vida para sobreviver. Contudo, a razão para a "escolha" daquele modo de vida é motivo de especulação para muitos autores.

Ao longo do século XIV e início do século XV, a prostituição passou a ser encarada como um negócio público e legítimo, no qual os governos das cidades estavam envolvidos tanto na posse como na gestão dos bordéis. Estes situavam-se em bairros destinados à prostituição – que já vinham a ser instaurados e autorizados desde o fim do século XIII – áreas que facilmente se multiplicaram. Depois de serem definidas as zonas específicas para o seu negócio, as prostitutas eram obrigadas e restringir a sua atividade a estes locais, e existiam leis para regular os seus comportamentos.

Os bordéis públicos foram mais uma tentativa de controlar e confinar a sexualidade das prostitutas que viviam na marginalidade. Foi também possível obter grandes lucros de uma atividade considerada deplorável, no entanto, extremamente lucrativa.

© Tatiana Capelo, Mestrado Gestão Cultural, 2014. Prostituição de Luxo: Uma Construção Cultural

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