
Prostituição na Grécia
Como indica POMEROY (1995: 88-89), a prostituição era uma atividade sexual comummente aceite na Grécia. Foi um negócio que floresceu ao longo dos anos nas cidades gregas, especialmente nas que ficavam perto da costa, uma vez que o movimento de pessoas era grande.
Segundo GILHULY (2009: 13-14) e KAPPARIS (2011: 223), na Grécia havia vários termos para designar as prostitutas: as pornai, termo que significa literalmente “mulheres para venda”, e que se referia às prostitutas comuns (entre estas as que trabalhavam na rua e nos bordéis); as hetairai, termo que significa “companheira feminina”, e se referia às prostitutas de luxo; as auletrides, que eram as tocadoras de flauta; as orchestrides, que eram as bailarinas e/ou acrobatas. Os termos eram usados para designar categorias específicas, especializações das trabalhadoras ou mesmo qualidades da prostituição. De acordo com GILHULY (2009: 14), não havia uma palavra genérica como “prostituta” para referir uma pessoa que vivia do negócio do sexo. o estatuto de prostituta podia ser flexível, ou seja, uma mulher podia começar como porne, tornando-se depois pallakis (concubina) de um homem rico, ou podia ainda torna-se numa mulher rica e independente como a hetaira.
Segundo GLAZEBROOK (2011: 35), porneion é o termo mais preciso para designar um bordel. A autora salienta também o fato surpreendente de não haver bordéis construídos com tal propósito na Grécia, como aconteceu em Roma. Qualquer estrutura podia ser utilizada para a atividade da prostituição, desde que dispusesse simplesmente de espaços apropriados para os clientes e para as profissionais, e não havendo a prática de serviços sexuais, o espaço podia assim alojar outras atividades comerciais. Os gerentes destes espaços eram quase sempre mulheres, designadas por pornoboskousai, frequentemente mulheres libertas e ex-prostitutas. As provas literárias e arqueológicas sugerem que os trabalhadores eram principalmente escravos. Não há indicações de que estes espaços fossem regulados, a não ser através do imposto sobre a prostituição - pornikon telos. Nem havia localizações específicas nem restrições para estes espaços, contudo, estes encontravam-se sobretudo em zonas de grande tráfego, como o Pireu e o Cerâmico, e na ágora. Em relação aos clientes que frequentavam estes espaços, as provas sugerem que não eram só escravos ou pobres, mas também homens ricos e influentes – sobretudo porque as prostitutas que trabalhavam de forma independente como as heteras cobravam quantias elevadas, e gastar tanto dinheiro com estas mulheres não era bem entendido pela sociedade, como indica GLAZEBROOK (2011: 53): “Paying for sex is not a problem; paying too much is.” Na Grécia, esta profissão não era marginalizada, visto que em qualquer parte a prostituição era visível e nada se fazia para acabar com ela. Assim como os proprietários e gerentes de espaços de prostituição não eram descriminados, pelo contrário, até os cidadãos geriam e eram donos destes espaços, ibidem, p. 53: “ (...) Athenian brothels and their clientele were more diverse than previously acknowledged and that those running such places were not socially or legally marginalized – even Athenian citizens owned them.”
Hetera Grega
O termo hetaira, segundo Liddell & Scott (1883: s.v.) significa literalmente companheira. As heteras gregas representavam a mais alta e elegante classe das prostitutas na antiga Grécia. Como indica CORNER (2011: 69-70), eram as únicas a quem era permitida a entrada no oikos familiar, embora no contexto específico do simpósio. No entanto, também compareciam a festas e a outros convívios sociais. A sua presença nestes eventos colocava-as em contato com homens de diversas categorias.
Normalmente as heteras eram iniciadas na profissão pela mãe ou por uma mulher experiente no ramo, que as incentiva a manter relacionamentos com homens de recursos financeiros elevados. Estes que por sua vez asseguravam o modo de vida das cortesãs, oferecendo-lhes luxos como vestidos, sapatos, perfumes, joias e/ou dinheiro.
As heteras eram conhecidas por serem mulheres de uma excecional beleza (embora algumas talvez à base de artifícios) e inteligência, visto serem consideradas as mulheres mais bem instruídas de toda a Grécia. Como é indicado em POMEROY (1995: 89) e ROBERTS (1996: 34; 38) diz-se que as heteras possuíam escolas próprias, para elas e para as aspirantes adquirirem conhecimentos nas mais diversas áreas: filosofia, literatura, artes, bem como na sua arte principal, que era a arte profissional de amar; tinham também especializações musicais que eram depois aplicadas no simpósio e nas festas. Estas mulheres, para serem as mulheres mais desejadas, cobiçadas e requisitadas para convívios sociais requintados, necessitavam de treino, esforço e formação, de forma a desenvolverem uma personalidade atraente e erudita.
De acordo com RABINOWITZ (2011: 125-126); RAUH (2011: 206-207) e ROBERTS (1996: 34-35), algumas das heteras mais famosas tornavam-se as amantes exclusivas ou principais de homens de estatuto social elevado, nas suas categorias diversas: artistas, poetas, filósofos, homens de Estado – os quais diziam influenciar, daí gozarem de mais liberdade do que a maioria das mulheres. Algumas das heteras tinham mesmo a possibilidade de escolher os seus amantes e o que estes pagariam pelos seus serviços, como foi relatado no caso de Frine.
Eram mulheres que podiam chegar a possuir grandes riquezas, quer em propriedades quer em bens, como prendas e/ou remunerações dos seus clientes pelo seu trabalho, uma vez que os seus amantes eram pessoas de grande poder, influência e riqueza.
Sendo mulheres instruídas, cultas e refinadas, as heteras vendiam essencialmente a sua companhia, sendo pagas para servirem de acompanhantes nas mais prestigiadas festas e banquetes.Os serviços sexuais eram o último passo, mas não o menos importante, no trabalho das heteras.
Segundo RAUH (2011: 207), algumas das heteras, apesar de terem usufruído de grande notoriedade e riqueza enquanto jovens cortesãs, com a velhice terão empobrecido, mantendo-se, no entanto, sempre em contato com o seu meio, pois algumas tornavam-se alcoviteiras ou guardiãs, mensageiras entre outras cortesãs e os seus clientes, bem como fornecedoras de cosméticos e poções. Poucas foram as heteras que, como Aspásia mantiveram a riqueza e notoriedade até à morte.
Em geral, as heteras eram consideradas intrigantes por muitos autores da época, daí se terem tornado objeto de adoração e invenção por parte destes. Eram, por assim dizer, as suas musas. Como explica DAVIDSON (1998: 106):
"(...) hetaeras are the rich and famous ones, the ones catalogued in scholarly treatises, who had plays written about them and speeches composed on their behalf, the ones whose bons mots were recorded in anecdotal collections like those of Machon and Lynceus of Samos. Thanks to Apollodorus speech and a comedy of Timocles named after her, Neaera herself could claim a place on this exalted list along with Lais the younger, Lais the elder, Sinope, Mania, Gnathaena, Nais, Thais and many others. Of all of these Phryne was perhaps the most renowned."
Aspásia
Aspásia foi uma das heteras mais famosas da Antiguidade. Grande parte do que sabemos da sua vida foi-nos transmitido através da biografia de Péricles, escrita por Plutarco. Aspásia era de Mileto, uma cidade da Ásia Menor e terá chegado a Atenas por volta de 452 a. C. onde passou a residir com o estatuto de meteco. Sendo estrangeira, não podia casar com um cidadão ateniense.
Aspásia era considerada uma mulher muito bela e inteligente, uma vez que era conhecida por ser instruída e ótima companhia para conversas e entretenimento. Segundo a obra de Péricles, dizia-se que Aspásia igualava Targélia, uma famosa cortesã de Mileto, por se “entregar” aos homens poderosos. Como indicam FERREIRA & RODRIGUES (2013: 107), tradutores da obra de Plutarco, e foi visto na contextualização da vida social em Atenas, o fato de uma mulher conversar em espaços públicos com homens ou de beber com um homem era sinal de vida devassa. Pela sua cultura e instrução, assim como por frequentar locais interditos às mulheres atenienses e interagir diretamente com os homens, em especial de estatuto social elevado, e ser comparada a Targélia diz-se que terá sido uma cortesã, a mais famosa da época.
Desde 445 a. C. terá sido amante de um dos mais importantes homens de Estado, Péricles, quando este se divorciou da esposa. Ter-se-á tratado de uma união publicamente reconhecida, pois segundo a obra de Plutarco (2013: 109):
"Diz-se que, todos os dias, quando saía da ágora ou nela entrava a saudava com um beijo. Nas comédias ela aparece como uma nova Ônfale, Dejanira e como Hera. Cratino chama-lhe diretamente concubina nestes versos: “A Sem-Vergonhice dá à luz esta Hera, Aspásia, uma concubina de olhos de cadela.”
Do seu relacionamento com Péricles resultou um filho, que terá sido reconhecido como legítimo mesmo após a lei de cidadania de Péricles, que impedia a sua legitimidade por a sua mãe não ser cidadã ateniense. Este relacionamento foi bastante marcante, pois supõe-se que Aspásia terá influenciado o líder político de Atenas no sentido de este iniciar as guerras de Sâmia e do Peloponeso, e como tal foram feitas diversas acusações de imoralidade a Aspásia. Segundo Plutarco, Aspásia terá também sido alcoviteira, sendo por isso acusada por Hermipo de ter um espaço onde Péricles se encontrava com as suas prostitutas.
Aspásia era, contudo, admirada e respeitada como uma brilhante filósofa e professora de retórica e consta que a sua casa se terá tornado um salão de encontros inteletuais, por onde passavam grandes nomes como Sócrates e os seus discípulos, e supostamente, de acordo com Plutarco, também as mulheres destes.
Neera
Outra figura extremamente famosa e igualmente controversa e polémica da sociedade grega é a da hetera Neera. Segundo o discurso Contra Neera, atribuído a Demóstenes, esta hetera foi acusada de usurpar o direito de cidadania. Ao longo do discurso é feita uma tentativa de denegrir a imagem de Neera e de Estéfano, seu pretenso marido, ao expor com testemunhos verídicos os abusos e crimes destes, de forma a que ambos fossem legalmente penalizados por todos os ultrajes cometidos. No entanto, o fio condutor de tal acusação era a vingança contra o mau caráter e comportamento desregrado de Estéfano, que haviam prejudicado vários cidadãos atenienses, uma vez que foi devido às ações deste que a verdadeira condição de Neera se tornou pública.
Neera havia sido uma escrava e fora comprada por Nicareta, uma mulher liberta que comprava jovens raparigas, as quais criava, educava e ensinava, a fim de utilizá-las no negócio da prostituição ([D.] 59.18-20). A vida de Neera nesta atividade é exemplificada com diversos episódios ([D.] 59.21-24), como por exemplo quando o cidadão Lísias, amante de Matanira, se recusou a aloja-las em sua casa, junto com as mulheres da sua família. Noutra situação é descrita a acompanhar Simo e Nicareta às grandes Panateneias e na casa de Ctesipo, a comer e a beber na presença de muitos homens como se fosse uma hetera (simpósio). E em Corinto era bastante famosa entre os seus diversos amantes. ([D.] 59.26).
Posteriormente terá sido comprada a Nicareta pelos amantes Timanóridas e Êucrates, que não a queriam partilhar com outros homens. No entanto, mais tarde estes resolveram dar-lhe a liberdade, sob algumas condições: não a queriam ver a trabalhar em Corinto ou submetida a um pornoboskos (proxeneta), e era necessário que Neera lhes restituísse uma parte do que haviam pago por ela. Para este fim, Neera reuniu dinheiro com ajuda dos seus antigos amantes e comprou a sua liberdade ([D.] 59.29-32). Depois, ao lado do amante Frínion, levou uma vida bastante devassa e liberal, pois esta acompanhava-o em banquetes, festas, cortejos, e ele tinha relações sexuais com ela sempre que o desejava publicamente. No entanto, por vezes, enquanto Frínion dormia e Neera estava embriagada, ela envolvia-se sexualmente com muitos outros homens, até mesmo com os criados. Pelos ultrajes que Frínion lhe fazia, Neera fugiu para Mégara, onde conheceu Estéfano que se tornou seu amante e protetor. Prometeu-lhe casar com ela, e legitimar como seus os três filhos dela, tornando-os cidadãos. Como tal levou-os a todos para Atenas. ([D.] 59.37-39).
O regresso de Neera a Atenas é marcado pela tentativa de Frínion de a reaver como sua amante. No entanto, no final acaba por partilhá-la com Estéfano. Neera continuou a exercer a profissão de hetera, mas cobrava preços muito mais elevados, por se dizer ser esposa de Estéfano. ([D.] 59.41). A sua vida ao lado de Estéfano é marcada por situações de oportunismo, chantagem e fraudes. Enganavam estrangeiros ricos que não conheciam a sua condição. Estéfano apanhava-os em flagrante com Neera, declarando adultério e cobrando-lhes muito dinheiro em troca da sua liberdade.
Em relação a Fano, filha de Neera, Estéfano dá-a em casamento ao ateniense Frastor juntamente com um dote, como se esta fosse sua filha. No entanto, ao fim de um ano de casamento, Frastor descobre que fora enganado e repudia a esposa grávida, sem devolver o dote. Contudo, a dedicação de Fano quando Frastor adoece e a sua débil condição, levam-no a reconhecer o filho dela, embora fosse proibido de o inscrever na sua fratria e no seu genos. ([D.] 59.50-59)
Estéfano enganou ainda Teógenes, o arconte-rei, ao dar Fano em casamento, como se esta fosse sua filha. Devido ao cargo que Teógenes detinha, a sua esposa deveria exercer algumas funções religiosas, e participar em sacrifícios secretos. Uma das cerimónias mais importantes era a das Antestérias, em honra de Dionísio.[1] No entanto, a lei ateniense especificava que a esposa do arconte-rei, para participar neste ritual deveria ser cidadã e virgem. Como Fano não era nenhuma das duas coisas, havia cometido um grande sacrilégio ao participar nestas cerimónias, e tendo em conta o significado do ritual, ela havia também posto em perigo a cidade de Atenas. Teógenes não foi punido, pois alegou ter sido enganado, e após ter descoberto a verdade logo repudiou Fano. ([D.] 59.72-83)
A análise desta história é crucial, pois tendo em conta que é Estéfano, um cidadão ateniense, quem inventa os planos fraudulentos e danosos para o povo ateniense. No entanto, é na figura de Neera, e consequentemente na sua filha Fano, duas heteras que usurparam o privilégio de cidadania, que cai a maior acusação, por terem transposto regras que garantiam a ordem cívica e o bem-estar da pólis, por casarem com atenienses, quando o seu estatuto não o permitia; por ter sido dado a Fano um dote, prerrogativa exclusiva das mulheres livres, de forma a casar com um cidadão ateniense; assim como por ter participado nos ritos secretos reservados às cidadãs. Neera e Fano quebraram todas as barreiras, ao desrespeitarem as leis dos homens e dos deuses. Eram heteras, mulheres que gozavam de uma liberdade social negada às cidadãs, que ainda assim usurparam a condição de esposas legítimas, tendo assim também desfrutado dos privilégios de cidadania. A posição social de ambas, devido a tais circunstâncias, tornara-se um privilégio em relação às restantes mulheres. Se Neera não fosse punida, o seu exemplo seria visto como a aceitação da igualdade entre cidadãs e cortesãs. Seria igualmente um incentivo à prostituição para as filhas dos cidadãos sem recursos. Não se sabe o veredicto da acusação, mas tendo em conta todas as circunstâncias apresentadas na obra é provável que Neera tenha efetivamente sido punida. A lei estabelecia que Neera fosse vendida como escrava por usurpar o direito de cidadania e que Estéfano fosse multado em mil dracmas e perdesse esse direito, por ter dado Fano em casamento a dois atenienses. ([D.] 59.16 e 52). O caso de Neera ilustra o poder dos limites: podia, enquanto hetera, ter privilégios e liberdades que a distinguiam de uma cidadã. Ainda assim, não podia usufruir da condição desta.
Frine
Uma das mais famosas heteras foi Frine, considerada uma das mais belas mulheres da época. Foi usada como inspiração por muitos escultores para estátuas que representavam deusas. Frine ficou particularmente conhecida por ter sido a inspiração do escultor Praxíteles, quando este a usou como modelo para uma estátua que representava a deusa Afrodite. Foi uma estátua que causou grande impato, pois ele esculpiu-a nua. Os cidadãos da cidade de Cós, que tinham de início patrocinado a estátua rejeitaram-na, e esta acabou sendo exposta na cidade de Cnido. Trata-se da “Afrodite de Cnido” de Praxíteles. Outro episódio que retrata a beleza desta cortesã foi quando esta foi condenada pelo crime de impiedade e profanação dos mistérios sagrados, por Sólon. O advogado de defesa de Frine foi Hipérides, que apesar da sua arte de retórica se viu na iminência de não conseguir convencer os jurados. Como último recurso rasgou as vestes de Frine, em pleno tribunal, deixando-a nua, e argumentou por fim se seria justo condenar tal beleza, digna de uma verdadeira deusa. Deixando os jurados sem palavras, conseguiu assim a absolvição de Frine. Este episódio é recordado por diversos autores e escritores ao longo da história.


